sábado, 1 de março de 2014

Se aprovada a PEC 51 a policia não usará mais farda?

Uma das coisas que frequentemente ouço ou leio é a preocupação da atual PM virar "uma bagunça", sem um uniforme padrão e sem a tão propagada "hierarquia e disciplina".

Talvez tamanho equívoco se equipare apenas a achar que o conceito de ciclo completo de polícia - patrulhar e investigar na mesma instituição - signifique juntar as policiais civis e militares.

A PEC 51 conseguiu puxar o fio que mostra nosso pensamento sobre policias. E mostra o quão atrasado ele é, e a parte difícil da conscientização é quebrar o paradigma do atual modelo de duas policias, uma rígida e outra informal.

Uniforme não é exclusividade de instituições militares. Talvez a rígida exigência em relação a um visual padrão, sim. Hierarquia também não existe somente no meio militar. E disciplina é a capacidade de se manter uma cadeia de comando, não o poder de punição.
Tomemos de exemplo a atual PRF: cargo único, possui hierarquia, usa uniforme em todas as suas atividades, a disciplina é mantida basicamente pela Lei 8.112/90, a mesma do Serviço Publico Federal como um todo. Não tem nada de MILITAR, mas podemos dizer que vem se tornando MILITARIZADA. Afinal seus policiais são de natureza civil, respondem as mesmas leis que nós.

Então o que é desmilitarizar? Na verdade representa o fim do Regime Militar na corporação, que acarreta o seguinte:

1- os policias, quando fora de serviço, passam a ter o mesmo direito de qualquer cidadão (como falar mal do Governo ou do Chefe, por exemplo)

2- Passam a ter direito a associações representativas ou mesmo sindicatos. O direito à greve não tem ligação com ser militar, mas sim a proibição de se associarem para qualquer fim e o crime de "motim". Direito de Greve no Serviço Público é tema de debates no Congresso, e existe sempre a possibilidade de ser proibido que certas carreira façam, como policiais, mesmo civis.

3- Passam a responder por crimes previstos no código penal, tal qual qualquer pessoa. Hoje respondem pelo Código Penal Militar, que prevê crimes outros (na verdade, crimes de guerra), tem penas distintas dos mesmos previstos para o civil e ainda diferencia crimes cometidos por Oficiais e por Praças.

4- Deixa de ter ingerência direta das Forças Armadas, sem necessariamente deixar de ser visto como contingente auxiliar.

5- a Hierarquia cega e absoluta é substituída pela hierarquia funcional (somente seu chefe é seu chefe, e somente em função do trabalho) e legal (nada de ordens do tipo "eu quero").


Parece pouco, mas só de se conceder tais direitos aos policias já trará uma compreensão melhor de sua posição na sociedade. Sem a visão estrita que alguém tem que obedecer, o policial entenderá que o cidadão - no caso "o civil" - não é subordinado seu, não tem que obedecer cegamente por ser "ordem de uma autoridade". Ficará claro que deve prevalecer da função quando necessário para o cumprimento da lei e ordem social, e mesmo assim de forma crítica e sempre justificada. Nunca pela sua simples vontade.

O Brasil já teve uma polícia nesses moldes, a Guarda Civil de SP, extinta no Governo Militar. Era carreira única, fardada, hierarquizada e o principal: bem vista pela população.

Portanto, acabemos com o medo de desmilitarizar: os uniformes, patentes, medalhas, estrelas... tudo pode continuar como está. Deve-se trocar somente a lei que rege os servidores dessas polícias por uma que pode ser também bastante rígida, e trocar certos valores que não estão em consonância com a democracia, como a "visão do inimigo" e da obediência cega, por outros, mais democráticos, sem que se perca a noção de ordem e força normalmente associadas a tal regime.