quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Você sabe como a policia investiga no Brasil?


    Ao contrário do que se pensa, por sempre vermos na TV agentes do FBI em suas emocionantes investigações, a investigação policial no mundo todo envolve muito papel, basicamente comunicações e relatórios, pois tudo precisa estar devidamente registrado. Até aí, nada demais, apesar de não ser uma vida tão cheia de adrenalina quanto parece. Porém, como tudo em nosso país, se envolve ineficiência ou burocracia, é coisa nossa! E o Inquérito Policial é o simbolo maior disso: ineficiente justamente por ser excessivamente burocrático.

    Seu atual formato foi desenhado em 1937 pelo renomado jurista Francisco Campos, em plena ditadura Vargas, dando origem ao nosso atual Código de Processo Penal, de 1941. Convenhamos, são “só” 73 anos de lá pra cá.

    Nesse meio tempo tivemos uma grande guerra, ditaduras por vários países, guerra fria, surgimento da União Europeia, criação fortalecimento da ONU, OTAN, crise do petróleo, restabelecimento da democracia, computadores e redes de dados, anticoncepcional, o celular e o micro-ondas.

    Muitos de nossos vizinhos reformularam suas policias e seus códigos de processo penal há pelo menos 2 décadas, e alguns já estudam novas mudanças. A Europa – através da Europol – tenta remodelar o sistema dos países membros, de forma a alcançar um modelo mais eficiente. Por lá, HOMICÍDIOS são resolvidos pela polícia em, pelo menos 55% dos casos, chegando a Inglaterra a 85%. Apesar de realidades muito distintas da nossa, não chegamos perto com os nossos 5% de resolução de crimes de morte. Não estamos perto nem de nossos vizinhos, muitos com economia pior que a nossa. Somos o pais da impunidade não apenas no discurso.

     Tomemos como exemplo o texto em que falava da PEC 37, usando como exemplo um suposto furto do celular da Deuzoli, sendo suspeito o Facebookson (artigo: Explicação não técnica sobre a PEC 37. Eu disse NÃO TÉCNICA!).

    Relembrando a historia, eles já haviam “ficado” e o suspeito, durante um pagode, tentou novamente “estreitar seus laços” com Deuzoli, mas diante da clara indiferença, foi embora. Ela então deu falta de seu celular, que jurava estar na bolas, e suspeitou de Facebookson.

     Para não ficar enfadonho, vou simular os atos com frases curtas, mas muitas dessa etapas são algumas páginas de papel. Relembro que dificilmente muito dessas etapas ocorreriam por conta de um celular sumido no caso concreto, mas elas ocorrem em outros crimes. E todos os atos certificados são encardenados em uma espécie de processo, o tal inquerito.


1- Deusoli informa à viatura de Polícia Militar que estava em frente ao evento. Os policias dão um giro pelo quarteirão e não veem Facebookson. É feito um Registro pelo acionamento da viatura. Deusoli é conduzida até a unidade da Policia Civil mais próxima.

2- chegando lá é registrado um B.O. (boletim de ocorrência), onde ela relata o que aconteceu e fala que suspeita de Facebookson. O documento gerado pela Pm é anexado.

3- Provavelmente no dia seguinte (já que isso foi durante a madrugada), a Autoridade Policial avaliará as chances de se chegar a algum resultado esta ocorrência. Se achar que sim, abre um inquérito policial. Se achar que não, “arquiva”. (detalhe: a lei obriga a ocorrência registrada se tornar inquérito caso nela conste conduta que possivelmente caracterize crime, no caso, a suspeita de furto. Além disso diz que só quem tem poder de arquivar é o Ministério Público, não a polícia).

4- o delegado entende que deve investigar. Instaura o inquérito, com data de “31 de novembro “ Começa a fase da papelada pesada.

5- ao escrivão para certificar a abertura (confirmar que o delegado de fato abriu o inquérito)

6- pedido de intimação de Facebookson para prestar esclarecimentos na delegacia.

7- Ao escrivão para certificar que o Delegado intimou Facebookson

8- aos investigadores para intimarem Facebookson. Pega-se uma viatura, com, no mínimo, 2 policias, procura-se a casa do sujeito, toca a capainha e pede a ele para assinar um papel dizendo que comparece dia 30 de fevereiro na delegacia para prestar esclarecimentos

9- ao escrivão para certificar o relatório dizendo que Facebookson foi encontrado e o documento por ele assinado.

10- Ao delegado confirmando que Facebookson foi intimado

11- No dia 30/02, Facebookson aparece na delegacia, abrindo mão de horas de trabalho, para ser indagado sobre o ocorrido. Questionado pelo delegado ele diz que não pegou nada e que uma amiga em comum permaneceu o tempo todo na mesa com ele, e dela se despediu, e ela pode confirmar que em momento algum ele tocou na bolsa de Deuzoli. Seu nome é Jaciara, mas não tem o contato dela.

12- O delegado então dita para o escrivão (que está ao lado dele) o texto que deve constar no depoimento: “Aos costume disse nada. (…) Que ao ser perguntado sobre se havia pego o telefone de Deuzoli afirmou que não, podendo Jaciara confirmar tal fato.

13- Ao escrivão para certificar o depoimento e intimar Jaciara

14- Aos investigadores para localizar Jaciara. Buscam em sistemas, ligam para Deuzoli, de forma a dar um jeito de achar Jaciara

15- como Jaciara foi encontrada facilmente, foi intimada para no dia 31 de abril.

16- como o prazo para encerrar o inquérito acabará, o delegado determina ao Escrivão que envie para o Ministério Publico solicitando mais prazo.

17- Ao escrivão para certificar o pedido de maior prazo e envio para o MP.

18- no dia 30 de abril o inquérito retornar com um carimbo do MP na capa: prorrogado por 30 dias.

19- dia 31/04 Jaciara, diarista, sendo obrigada a faltar o dia de serviço, se apresenta para ser ouvida.

20- questionada, informa que não lembra de ter visto Facebookson mexer na bolsa, mas não pode afirmar. Diz também que não o conhece tão bem assim. Mas Zuleide estava na mesa também, e pode ser que tenha visto.

21- o Delegado dita para o escrivão o texto a ser elaborado com as respostas de Jaciara: “aos costumes disse nada...”

22- Ao escrivão para certificar o depoimento e intimar Zuleide.

23- Zuleide se mudou para outro estado, sendo impossível localizá-la após 6 meses de tentativa e mais 5 pedidos de prorrogação de prazo ao MP. Cada tentativa implica em novo pedido do delegado, nova certificação do escrivão, nova informação do investigador, que gera nova certificação do escrivão, além do pedido ao MP.

24- após 1 ano do ocorrido, no dia 31/11, o inquérito é “relatado”, ou seja: o delegado faz um novo documento dizendo que, de acordo com o que consta no inquérito, não é possível determinar se houve crime, pois não se sabe se alguém pegou o celular de Deuzoli ou ela perdeu e nem determinar quem teria cometido, já que, além da duvida sobre existência de crime, nada demonstra que Facebookson poderia ter cometido ou mesmo alguma outra pessoa.

25- Ao escrivão para certificar o relatório e enviar ao MP.


     Olha que tentei não prolongar, ficou o maior texto até agora no blog, mas a coisa é MUITO PIOR . Há problemas de diligência pedidas pelo ministério público que pouco acrescentam, diligências pedidas por advogados de citados na investigação que acabam embolando o meio de campo... e com isso o que dava pra se fazer em 15 dias com maior chances de resolução e sem que ninguém perdesse dia de trabalho indo a uma delegacia, leva 1 ano para não dar resultado algum. Afinal, quem, depois de 90 dias, se lembra do que aconteceu de madrugada num “pagode”?

     Não adianta entrar em uma seara mais técnica, a intenção foi apenas mostrar o porque você é vitima de um crime e mesmo que se disponha a ir a uma delegacia, dificilmente verá o responsável punido. E apesar de dizerem que a Justiça solta, que as leis são fracas (outro artigo: Impunidade, policias, leis fracas e pec 51), o grande problema é que a polícia NÃO CONSEGUE DIZER QUEM DEVE SER PRESO: ou o sujeito é preso em flagrante (famoso “com a boca na botija”) ou não acontecerá nada com ele, salvo se um dos envolvidos for figura importante ou a vitima conhecida de algum policial.

   Por isso a reforma TOTAL do nosso sistema, tanto na estrutura das polícias como no modelo de investigação, é mais que necessária. 70 anos é muita coisa. Nosso vizinhos reformaram não tem nem 20...









domingo, 23 de fevereiro de 2014

Concurso público: seleção para o Serviço Público ou título de nobreza?


                Um dos aspectos mais polêmicos da PEC 51 é a estruturação da polícia como carreira policial única. E o que seria isso?

                Carreira no serviço público seria a progressão, em decorrência do tempo ou desempenho, para funções mais complexas e de maior responsabilidade durante a vida profissional. E a carreira é formada por cargos, que são o conjunto de responsabilidades de determinada função.

                Para facilitar, exemplifico a carreira de Oficial das Forças Armadas: o cidadão faz um concurso público para Oficial. Aprovado, é nomeado no cargo de Aspirante, que tem como função ser aluno do curso de formação. Formado, ele é nomeado para o cargo de 2º tenente, que tem como função, a grosso modo, comandar pequenos grupos e participar de algumas instruções. Em seguida é nomeado 1º tenente, que passa a ter grupos maiores para controlar e instruções mais complexas. Depois, nomeado capitão que tem mais funções administrativas e gerenciais, e assim segue.

                Então, quando se fala em uma CARREIRA POLICIAL, significa que o sujeito faz o concurso para a CARREIRA, ocupando a base da estrutura. De acordo com seu desempenho, tempo e aproveitamento de cursos de médio e longo prazo de capacitação, devem subir ao novo cargo, com mais tarefas a cumprir e maior responsabilidade. Atividades não afeitas a policiais, como as funções de cuidar do funcionamento, burocracia, pessoal e outras atividades da instituição, devem ter uma carreira administrativa também bem estruturada. 

                A vantagem deste sistema é que obriga o servidor a se capacitar ao longo de sua carreira, permitindo que se envolva em atividade onde melhor será aproveitado. Bem diferente de como (não) funcionam as polícias hoje.

                Atualmente o cidadão, ao fazer um concurso, decide para que casta fará (ou poderá fazer) o concurso: a nobreza (delegados e oficiais) ou vassalagem (policiais). A partir daí, enquanto um é obrigado a trabalhar como louco, com escalas absurdas e complementar renda com “bicos”, outro tem bons salários e, sem muito esforço, se vêem envolvidos em assuntos da alta política. Uns tem perspectiva de crescimento sem serem policiais, outros são policiais sem perspectiva de crescimento.

                E então surge a mágica: feito o concurso público, não há COBRANÇA para a qualificação – ou ao menos a manutenção – da qualidade do servidor. Na policia não há, por exemplo, nenhum tipo de avaliação técnica e psicológica para aferir se o policial tem condições de portar e utilizar, quando requerida, a arma de fogo que muitas vezes porta. Um policial pode passar 30 anos sendo considerado capacitado em armas apenas por conta do curso de formação na admissão. Coisas de Brasil.

                Nos EUA, a cada 6 meses os instrutores de tiros são avaliados. Os policias não instrutores, anualmente. Na Alemanha, a cada etapa na carreira o policial precisa fazer um novo curso e somente progride se tiver aproveitamento, indo de técnico ao doutorado, dentro da própria instituição em curso específico de policia. No Brasil, basta o concurso e no máximo 180 dias de curso de formação (alguns duram 45 dias!) durante a vida do profissional. Ele só se qualifica por iniciativa própria, sem diferença para sua carreira.

                O concurso público é a forma mais democrática para se ENTRAR no serviço público. É ferramenta eficiente para verificar quem, naquele momento, tem o melhor preparo para assumir a função. Digo entrar porque trabalhar e se preparar para concursos com maiores salários tornam-se incompatíveis no caso do policial: ou ele transforma o salário do cargo público em bolsa de estudos, praticamente parando de produzir, ou não passará. E como policias são até estimulados a fazerem “bico”em suas (poucas) folgas, ou trabalham e não estudam ou estudam e não trabalham.

                É perceptível que servidores públicos, principalmente em cargos de maior influência, são tratados e se portam como se adquirissem um título de nobreza, que não precisam de capacitação contínua. E pior:  que a Administração Publica não precisa evoluir, reconhecer que determinada organização precisa de reformulação e maior capacitação dos servidores, tanto na entrada (em geral exigência de maiores níveis de escolaridade) quanto durante sua vida profissional. O concurso não passa de uma fotografia da vida profissional do servidor, quando deveria ser a abertura de um filme que pode durar 35 anos. Mas parece uma ameaça às castas, interessadas em status.

                Em suma: carreira única proposta na PEC 51 prevê alterações nas atividades e atribuições de TODAS as carreiras policiais e de seus cargos, inclusive com a extinção de alguns deles e aglutinação de outros. Não é fim do concurso público nem “trem da alegria” (quando um cargo se torna outro, incompatível, sem concurso público, geralmente para aumento da remuneração): é CRIAR uma VERDADEIRA CARREIRA POLICIAL.

 Desta forma o policial se sentirá MOTIVADO a dedicar-se à sua carreira, pois sabe que existe uma perspectiva de avanço, e para progredir será obrigado a, NO MINIMO, se capacitar. E se bem remunerado poderá largar a atividade “bico” e cuidar da nossa segurança de fato, não apenas nos jornais e índices governamentais.

Particularmente acho que o modelo atual não funciona e tem que mudar. Radicalmente.

Obs.: justiça seja feita. Ao escrever omiti que o Curso de Formação do Oficial de Polícia Militar, em geral, é um curso superior em Segurança Publica, com duração média de 4 anos. Os prazos se referem aos demais cargos existentes nas estruturas das polícias.

               


                

sábado, 15 de fevereiro de 2014

É verdade que a policia só lida com lixo?


                A história da polícia no Brasil é um tanto torta: com missão primeira de garantir a defesa nacional, posteriormente ganhou a função de manter a ordem, que basicamente passava por tirar de perto dos brancos os negros libertos, os mestiços – pessoas socialmente desqualificadas que poderiam macular a “sociedade” da época – e tratar de questões materiais, principalmente a recuperação de negros escravos que fugiam.

                Dada a ultima função, era muito comum que se contratassem para o ofício os capitães do mato e os mesmos mestiços que não se queria ver “perambulando” pela rua. Devemos lembrar que escravos eram vistos não apenas como bem material, mas como escória social, assim como os capitães do mato, que deles descendiam em geral. Então não era bom para uma família “de bem” ter um dos seus envolvidos em tal atividade. No máximo se admitia a função de oficial, que nesta época não colocava o pé na rua praticamente.

                E porque essa conversa toda? Bem, sem entrarmos na questão atual de racismo, castas sociais ou qualquer outra de tal monta, foquemos no seguinte: garantir a ordem publica NUNCA foi atividade honrada neste pais. E certamente porque lá no início tinha que lidar com tudo que as classes mais altas queriam esconder. Além disso, como já disse, exerciam tal função aqueles que se sobressaíam da “gentalha”, mas que não deixavam de sê-la.

                E isso perdura até hoje. Constituições, sistemas políticos, alterações sociais... nada teve a capacidade de alterar a imagem do policial, principalmente o de policia preventiva. Não é trabalho para os “bem-nascidos”, ainda se pensa. E ainda se pensa que os policiais são da mesma “laia” daqueles que ameaçam a sociedade. Tudo bem,  existe sempre um controle social na função de policia, mas nem por isso, hoje, se deve misturar as coisas.

                Atualmente em países socialmente mais desenvolvidos, a atividade policial é reconhecida, é nobre. Não é a mais nobre das profissões, mas fica longe de ser uma vergonha para a comunidade, ao contrario daqui. E porque? Nesses lugares se reconheceu que  A POLICIA TEM COMO FUNÇÃO PRESERVAR NOSSA VIDA, NOSSA LIBERDADE, NOSSA INTEGRIDADE E NOSSA PROPRIEDADE. Quer função mais valiosa que essa, nos proteger?

                Mas não, ainda se prefere tratar como molambos, como capangas maltrapilhos que existem apenas para nos servir quando precisamos. E maltrapilhos não precisam ser bem pagos, bem preparados. Basta um prato de comida e algumas doses de cachaça.

                Porém os tempos são outros.  Vivemos uma guerra no Brasil e está claro que o modelo de policia não funciona, na verdade só nos põe em risco. E é um ofício de baixo prestígio e baixos salários, atrairá bons  profissionais, idealistas, mas vai certamente atrair pessoas despreparadas e mal intencionadas em maior numero, ou ao menos será mais fácil o acesso delas. Será que vale o risco? Dar uma arma a alguém com essa postura é prudente?

                Em 2012, cada brasileiro residente no país gastou aproximadamente R$220,00 NO ANO TODO com segurança pública. Sim, impostos. Mas lhe pergunto: está valendo o investimento ou você pagaria mais para se sentir mais seguro?  Nâo seria melhor reconhecer que as Policias não lidam com o “lixo humano”, mas, mesmo que em um controle social, tem como função garantir nossas vidas, o maior valor? Quanto custaria isso para você?


                É hora de enfrentarmos isso, reconhecermos a falência desse modelo coronel-capanga. Temos que cobrar uma policia preparada, com alta qualificação, bem remunerada, estimulada e, principalmente reconhecida. E, no atual estado das coisas, não adianta esperarmos isso com essa estrutura carcomida há séculos, temos que inovar. Por isso, além da mudança de mentalidade, a sugestão das alterações da PEC 51 se fazem necessárias, e, creio, levarão a tal mudança de visão em relação às polícias.