Ao
contrário do que se pensa, por sempre vermos na TV agentes do FBI em
suas emocionantes investigações, a investigação policial no mundo
todo envolve muito papel, basicamente comunicações e relatórios,
pois tudo precisa estar devidamente registrado. Até aí, nada
demais, apesar de não ser uma vida tão cheia de adrenalina quanto parece. Porém,
como tudo em nosso país, se envolve ineficiência ou burocracia, é
coisa nossa! E o Inquérito Policial é o simbolo maior disso:
ineficiente justamente por ser excessivamente burocrático.
Seu
atual formato foi desenhado em 1937 pelo renomado jurista Francisco
Campos, em plena ditadura Vargas, dando origem ao nosso atual Código
de Processo Penal, de 1941. Convenhamos, são “só” 73 anos de lá
pra cá.
Nesse
meio tempo tivemos uma grande guerra, ditaduras por vários países,
guerra fria, surgimento da União Europeia, criação fortalecimento
da ONU, OTAN, crise do petróleo, restabelecimento da democracia,
computadores e redes de dados, anticoncepcional, o celular e o micro-ondas.
Muitos
de nossos vizinhos reformularam suas policias e seus códigos de
processo penal há pelo menos 2 décadas, e alguns já estudam novas
mudanças. A Europa – através da Europol – tenta remodelar o
sistema dos países membros, de forma a alcançar um modelo mais
eficiente. Por lá, HOMICÍDIOS são resolvidos pela polícia em,
pelo menos 55% dos casos, chegando a Inglaterra a 85%. Apesar de
realidades muito distintas da nossa, não chegamos perto com os
nossos 5% de resolução de crimes de morte. Não estamos perto nem
de nossos vizinhos, muitos com economia pior que a nossa. Somos o
pais da impunidade não apenas no discurso.
Tomemos
como exemplo o texto em que falava da PEC 37, usando como exemplo um
suposto furto do celular da Deuzoli, sendo suspeito o Facebookson (artigo: Explicação não técnica sobre a PEC 37. Eu disse NÃO TÉCNICA!).
Relembrando
a historia, eles já haviam “ficado” e o suspeito, durante um
pagode, tentou novamente “estreitar seus laços” com Deuzoli, mas
diante da clara indiferença, foi embora. Ela então deu falta de
seu celular, que jurava estar na bolas, e suspeitou de Facebookson.
Para não
ficar enfadonho, vou simular os atos com frases curtas, mas muitas
dessa etapas são algumas páginas de papel. Relembro que
dificilmente muito dessas etapas ocorreriam por conta de um celular
sumido no caso concreto, mas elas ocorrem em outros crimes. E todos
os atos certificados são encardenados em uma espécie de processo, o
tal inquerito.
1-
Deusoli informa à viatura de Polícia Militar que estava em frente
ao evento. Os policias dão um giro pelo quarteirão e não veem
Facebookson. É feito um Registro pelo acionamento da viatura.
Deusoli é conduzida até a unidade da Policia Civil mais próxima.
2-
chegando lá é registrado um B.O. (boletim de ocorrência), onde ela
relata o que aconteceu e fala que suspeita de Facebookson. O
documento gerado pela Pm é anexado.
3-
Provavelmente no dia seguinte (já que isso foi durante a madrugada),
a Autoridade Policial avaliará as chances de se chegar a algum
resultado esta ocorrência. Se achar que sim, abre um inquérito
policial. Se achar que não, “arquiva”. (detalhe: a lei obriga a
ocorrência registrada se tornar inquérito caso nela conste conduta
que possivelmente caracterize crime, no caso, a suspeita de furto.
Além disso diz que só quem tem poder de arquivar é o Ministério
Público, não a polícia).
4- o
delegado entende que deve investigar. Instaura o inquérito, com data
de “31 de novembro “ Começa a fase da papelada pesada.
5- ao
escrivão para certificar a abertura (confirmar que o delegado de
fato abriu o inquérito)
6- pedido
de intimação de Facebookson para prestar esclarecimentos na
delegacia.
7- Ao
escrivão para certificar que o Delegado intimou Facebookson
8- aos
investigadores para intimarem Facebookson. Pega-se uma viatura, com,
no mínimo, 2 policias, procura-se a casa do sujeito, toca a capainha
e pede a ele para assinar um papel dizendo que comparece dia 30 de
fevereiro na delegacia para prestar esclarecimentos
9- ao
escrivão para certificar o relatório dizendo que Facebookson foi
encontrado e o documento por ele assinado.
10- Ao
delegado confirmando que Facebookson foi intimado
11- No
dia 30/02, Facebookson aparece na delegacia, abrindo mão de horas de
trabalho, para ser indagado sobre o ocorrido. Questionado pelo
delegado ele diz que não pegou nada e que uma amiga em comum
permaneceu o tempo todo na mesa com ele, e dela se despediu, e ela
pode confirmar que em momento algum ele tocou na bolsa de Deuzoli.
Seu nome é Jaciara, mas não tem o contato dela.
12- O
delegado então dita para o escrivão (que está ao lado dele) o
texto que deve constar no depoimento: “Aos costume disse nada. (…)
Que ao ser perguntado sobre se havia pego o telefone de Deuzoli
afirmou que não, podendo Jaciara confirmar tal fato.
13- Ao
escrivão para certificar o depoimento e intimar Jaciara
14- Aos
investigadores para localizar Jaciara. Buscam em sistemas, ligam para
Deuzoli, de forma a dar um jeito de achar Jaciara
15- como
Jaciara foi encontrada facilmente, foi intimada para no dia 31 de
abril.
16- como
o prazo para encerrar o inquérito acabará, o delegado determina ao
Escrivão que envie para o Ministério Publico solicitando mais
prazo.
17- Ao
escrivão para certificar o pedido de maior prazo e envio para o MP.
18- no
dia 30 de abril o inquérito retornar com um carimbo do MP na capa:
prorrogado por 30 dias.
19- dia
31/04 Jaciara, diarista, sendo obrigada a faltar o dia de serviço,
se apresenta para ser ouvida.
20-
questionada, informa que não lembra de ter visto Facebookson mexer
na bolsa, mas não pode afirmar. Diz também que não o conhece tão
bem assim. Mas Zuleide estava na mesa também, e pode ser que tenha
visto.
21- o
Delegado dita para o escrivão o texto a ser elaborado com as
respostas de Jaciara: “aos costumes disse nada...”
22- Ao
escrivão para certificar o depoimento e intimar Zuleide.
23-
Zuleide se mudou para outro estado, sendo impossível localizá-la
após 6 meses de tentativa e mais 5 pedidos de prorrogação de prazo
ao MP. Cada tentativa implica em novo pedido do delegado, nova
certificação do escrivão, nova informação do investigador, que
gera nova certificação do escrivão, além do pedido ao MP.
24- após
1 ano do ocorrido, no dia 31/11, o inquérito é “relatado”, ou
seja: o delegado faz um novo documento dizendo que, de acordo com o
que consta no inquérito, não é possível determinar se houve
crime, pois não se sabe se alguém pegou o celular de Deuzoli ou ela
perdeu e nem determinar quem teria cometido, já que, além da duvida
sobre existência de crime, nada demonstra que Facebookson poderia
ter cometido ou mesmo alguma outra pessoa.
25- Ao
escrivão para certificar o relatório e enviar ao MP.
Olha que
tentei não prolongar, ficou o maior texto até agora no blog, mas a
coisa é MUITO PIOR . Há problemas de diligência pedidas pelo
ministério público que pouco acrescentam, diligências pedidas por
advogados de citados na investigação que acabam embolando o meio de
campo... e com isso o que dava pra se fazer em 15 dias com maior
chances de resolução e sem que ninguém perdesse dia de trabalho
indo a uma delegacia, leva 1 ano para não dar resultado algum.
Afinal, quem, depois de 90 dias, se lembra do que aconteceu de
madrugada num “pagode”?
Não
adianta entrar em uma seara mais técnica, a intenção foi apenas
mostrar o porque você é vitima de um crime e mesmo que se disponha
a ir a uma delegacia, dificilmente verá o responsável punido. E
apesar de dizerem que a Justiça solta, que as leis são fracas
(outro artigo: Impunidade, policias, leis fracas e pec 51),
o grande problema é que a polícia NÃO CONSEGUE DIZER QUEM DEVE SER
PRESO: ou o sujeito é preso em flagrante (famoso “com a boca na
botija”) ou não acontecerá nada com ele, salvo se um dos
envolvidos for figura importante ou a vitima conhecida de algum
policial.
Por isso
a reforma TOTAL do nosso sistema, tanto na estrutura das polícias
como no modelo de investigação, é mais que necessária. 70 anos é
muita coisa. Nosso vizinhos reformaram não tem nem 20...