domingo, 23 de fevereiro de 2014

Concurso público: seleção para o Serviço Público ou título de nobreza?


                Um dos aspectos mais polêmicos da PEC 51 é a estruturação da polícia como carreira policial única. E o que seria isso?

                Carreira no serviço público seria a progressão, em decorrência do tempo ou desempenho, para funções mais complexas e de maior responsabilidade durante a vida profissional. E a carreira é formada por cargos, que são o conjunto de responsabilidades de determinada função.

                Para facilitar, exemplifico a carreira de Oficial das Forças Armadas: o cidadão faz um concurso público para Oficial. Aprovado, é nomeado no cargo de Aspirante, que tem como função ser aluno do curso de formação. Formado, ele é nomeado para o cargo de 2º tenente, que tem como função, a grosso modo, comandar pequenos grupos e participar de algumas instruções. Em seguida é nomeado 1º tenente, que passa a ter grupos maiores para controlar e instruções mais complexas. Depois, nomeado capitão que tem mais funções administrativas e gerenciais, e assim segue.

                Então, quando se fala em uma CARREIRA POLICIAL, significa que o sujeito faz o concurso para a CARREIRA, ocupando a base da estrutura. De acordo com seu desempenho, tempo e aproveitamento de cursos de médio e longo prazo de capacitação, devem subir ao novo cargo, com mais tarefas a cumprir e maior responsabilidade. Atividades não afeitas a policiais, como as funções de cuidar do funcionamento, burocracia, pessoal e outras atividades da instituição, devem ter uma carreira administrativa também bem estruturada. 

                A vantagem deste sistema é que obriga o servidor a se capacitar ao longo de sua carreira, permitindo que se envolva em atividade onde melhor será aproveitado. Bem diferente de como (não) funcionam as polícias hoje.

                Atualmente o cidadão, ao fazer um concurso, decide para que casta fará (ou poderá fazer) o concurso: a nobreza (delegados e oficiais) ou vassalagem (policiais). A partir daí, enquanto um é obrigado a trabalhar como louco, com escalas absurdas e complementar renda com “bicos”, outro tem bons salários e, sem muito esforço, se vêem envolvidos em assuntos da alta política. Uns tem perspectiva de crescimento sem serem policiais, outros são policiais sem perspectiva de crescimento.

                E então surge a mágica: feito o concurso público, não há COBRANÇA para a qualificação – ou ao menos a manutenção – da qualidade do servidor. Na policia não há, por exemplo, nenhum tipo de avaliação técnica e psicológica para aferir se o policial tem condições de portar e utilizar, quando requerida, a arma de fogo que muitas vezes porta. Um policial pode passar 30 anos sendo considerado capacitado em armas apenas por conta do curso de formação na admissão. Coisas de Brasil.

                Nos EUA, a cada 6 meses os instrutores de tiros são avaliados. Os policias não instrutores, anualmente. Na Alemanha, a cada etapa na carreira o policial precisa fazer um novo curso e somente progride se tiver aproveitamento, indo de técnico ao doutorado, dentro da própria instituição em curso específico de policia. No Brasil, basta o concurso e no máximo 180 dias de curso de formação (alguns duram 45 dias!) durante a vida do profissional. Ele só se qualifica por iniciativa própria, sem diferença para sua carreira.

                O concurso público é a forma mais democrática para se ENTRAR no serviço público. É ferramenta eficiente para verificar quem, naquele momento, tem o melhor preparo para assumir a função. Digo entrar porque trabalhar e se preparar para concursos com maiores salários tornam-se incompatíveis no caso do policial: ou ele transforma o salário do cargo público em bolsa de estudos, praticamente parando de produzir, ou não passará. E como policias são até estimulados a fazerem “bico”em suas (poucas) folgas, ou trabalham e não estudam ou estudam e não trabalham.

                É perceptível que servidores públicos, principalmente em cargos de maior influência, são tratados e se portam como se adquirissem um título de nobreza, que não precisam de capacitação contínua. E pior:  que a Administração Publica não precisa evoluir, reconhecer que determinada organização precisa de reformulação e maior capacitação dos servidores, tanto na entrada (em geral exigência de maiores níveis de escolaridade) quanto durante sua vida profissional. O concurso não passa de uma fotografia da vida profissional do servidor, quando deveria ser a abertura de um filme que pode durar 35 anos. Mas parece uma ameaça às castas, interessadas em status.

                Em suma: carreira única proposta na PEC 51 prevê alterações nas atividades e atribuições de TODAS as carreiras policiais e de seus cargos, inclusive com a extinção de alguns deles e aglutinação de outros. Não é fim do concurso público nem “trem da alegria” (quando um cargo se torna outro, incompatível, sem concurso público, geralmente para aumento da remuneração): é CRIAR uma VERDADEIRA CARREIRA POLICIAL.

 Desta forma o policial se sentirá MOTIVADO a dedicar-se à sua carreira, pois sabe que existe uma perspectiva de avanço, e para progredir será obrigado a, NO MINIMO, se capacitar. E se bem remunerado poderá largar a atividade “bico” e cuidar da nossa segurança de fato, não apenas nos jornais e índices governamentais.

Particularmente acho que o modelo atual não funciona e tem que mudar. Radicalmente.

Obs.: justiça seja feita. Ao escrever omiti que o Curso de Formação do Oficial de Polícia Militar, em geral, é um curso superior em Segurança Publica, com duração média de 4 anos. Os prazos se referem aos demais cargos existentes nas estruturas das polícias.