sábado, 11 de janeiro de 2014

A Polícia para Policiais - a falácia do "trem da alegria" na PEC 51

     Tenho visto reclamações sobre a PEC 51, que promoveria um "trem da alegria" nas polícias, que muitos seriam "promovidos" a outros cargos sem concurso, e mais um tanto de informações maldosas para desqualificar a emenda que, dentre outras mudanças, propõe o cargo único. 

    Apesar de prever a desmilitarização - e ser esta alteração seu carro chefe - nada impede que, mesmo em tal regime, se tenha a carreira única.

   A ideia de se dividir as tarefas nas Forças Armadas é para que, em caso de atividade militar típica (guerra), se mantenha o maior número possível de profissionais especializados e bem graduados na corporação. Esses são os oficiais, que levam anos para serem formados e custam muito caro para serem repostos.

   Por essa lógica, os combatentes de fato (soldados) tem uma formação mais básica, rápida mesmo, pois são as peças sujeitas ao desgaste do combate (ferimento ou morte). E como precisam de reposição rápida, tem-se o caráter de serviço militar obrigatório e temporário.

   A diferença entre eles é o vínculo: enquanto o oficial de carreira tem laços duradouros com a instituição, o soldado não o tem. Por isso basta se ter mão de obra com baixa qualificação, visto que a atividade será mais focada na parte física e será comandada rigidamente por alguém formado para tal. Essa é a lógica do Exército, por exemplo. Obviamente a descrição se dá de maneira muito simplória, desconsiderando oficiais temporários e a carreira de praça.

  Porém a Polícia é diferente. Todos os policiais tem vínculo duradouro com a instituição após tomarem posse. E todo policial deve ter boa formação e lhe ser exigida boa conduta, não sendo mero executor de ordens ou simplesmente a parte física da instituição. Não é porque frequentemente se envolve em confrontos que não precisa pensar. Isso vale para a guerra. Na segurança pública, cada disparo terá uma consequência, então mesmo em um combate, o policial tem que conhecer bem sua atividade para minimizar danos a sua equipe e a terceiros. Sua substituição custa muito caro à sociedade, visto a morte de um policial ser um dano social irreparável, além de todos os custos de formação de novo servidor.

  Portanto, para uma estrutura similar à militar, basta que se tenha admissão na base já com nível de escolaridade e dificuldade do concurso em bom nível, e para determinadas promoções - como de soldado a sargento e depois para tenente, por exemplo - se exija nova formação interna compatível com suas novas atribuições e que haja vagas em aberto para que possam ser ocupadas de acordo com critérios objetivos, como a colocação nesse curso de aperfeiçoamento. Afinal, as atividades de oficiais e praças nas PM´s são decorrentes uma da outra e se complementam. Isso já ocorre dentro das Carreira de Oficial das Forças Armadas.

   Nas Policias Civis e Federal, a coisa fica bem diferente. Policiais e delegados não são decorrentes um do outro, as carreiras não tem uma sequência lógica e sequer fazem coisa similares. Já discutimos as funções do delegado de policia em outro artigo (veja aqui), e vimos que é uma figura sem identidade nos conceitos formais de juiz, Ministério Público e Polícia. Mas a tradição afasta a análise crítica e nos impede de ver que a polícia precisa de policiais, não de funções altamente burocráticas. É por isso que a unificação dos 
cargos não significa que todos chegarão a delegado, porque não há sentido em se manter essa função. A ideia é justamente que DELEGADOS SE TORNEM POLICIAIS.

  O que acontecerá é que TODOS os cargos de polícia que conhecemos hoje acabarão. TODOS. E em cada polícia surgirá um novo: POLICIAL. E o que fará este novo policial?

  Bem, o que qualquer policial pelo mundo faz: garante a segurança e investiga. Mas e quem fará a parte burocrática? Poucos policiais e funcionários administrativos. E quem fará a parte do delegado? Algumas partes os policiais, outras os administrativos, algumas o MP já faz, outras a Justiça já faz (na verdade os delegados é que fazem algumas funções dos dois últimos), os administradores, e outras... ninguém.

   E dos oficiais, quem fará a função deles? Os policiais que forem qualificados a ocupar as vagas disponíveis para tais funções.

   Portanto, ao contrário do que se fala, não haverá um "trem da alegria", visto que se pretende justamente é acabar com as tidas "carreiras superiores" por simples desnecessidade de sua existência. São funções caras, com pouca utilidade efetiva para a sociedade e que impedem os policiais de terem verdadeiramente uma carreira. 

  Sendo assim,o que teremos é: DELEGADOS PODERÃO TORNAR-SE POLICIAIS, e OFICIAIS PASSARÃO A SER FORMADOS NAS BASES. Fica até mais barato para o Estado, já que ele decide quantas vagas serão disponibilizadas para os salários maiores.