sábado, 29 de março de 2014

O luto no aniversário da Polícia Federal

De um Policial Federal:

Ontem, 28 de março, a Polícia Federal completou 70 de história. Como todo órgão ligado à defesa ou segurança, nem sempre com passagens lembradas com orgulho, lembranças de belos serviços prestados. Mas tudo ligado ao momento histórico vivido por nossa sociedade, um fotografia de cada época.

Eis que nestas 7 décadas, provavelmente nunca o órgão esteve tão cabisbaixo, tão sem ânimo, tão apático. E isso ficou claro em cerimônia realizada na Academia Nacional de Polícia, em Brasilia, durante o Curso de Formação de policiais, peritos e delegados.

Durante a cerimônia, o corpo de instrutores das atividade reconhecidamente específicas de polícia - Armamento e Tiro, Técnicas operacionais e Educação Física, responsável pelas técnicas de defesa pessoal - funções essas que sempre mostraram o orgulho de ser policial, policial federal, e de ser professor, silenciaram durante a execução do Hino do DPF, que apesar de não possuir os versos mais belos, sempre encheu de orgulho aqueles que amam a atividade e, principalmente, aqueles que aguardam ansiosamente por sua nomeação no DPF, o início de sua nova vida.

Cabeças baixas, ombros arqueados para frente, mostraram o peso de se exercer uma atividade, ou melhor, duas, que são essenciais a qualquer povo mas pouco ou nenhum respeito recebem. E neste caso específico nem dentro da própria instituição, que vem a largos passos se encaminhando para o fim, por conta de uma política de segregação e do combate à toda e qualquer tentativa de profissionalização de gestão, modernização e produtividade. Não há orgulho onde não há respeito.

Talvez esses professores-policiais não tenham noção da amplitude de seus atos. Talvez não lembrem dos riscos que já correram em seu dia-a-dia - como perder o emprego, ser ferido, ser morto - das horas longe da família, das dores passadas para se tornarem policiais e posteriormente professores destas atividades. Provavelmente nem percebam a importância de sua função naquele momento - a de PROFESSOR - e que por isso são alvo do duplo descaso e desvalorização dessas atividades: um professor de polícia. Somente um louco! Parece uma dupla maldição apenas. 

Mas ali não estava apenas a tristeza de um grupo, estava a derrocada da sociedade brasileira. Sem professores - elemento importante na construção de uma sociedade - não há policiais que deem conta de organizar a coletividade. Aliás, nem policiais se terá, somente capangas. Sem ambos, não há um pais. De toda sorte, este silencioso manifesto mostra a penúria em que se encontra a educação e a segurança pública no Brasil, e mais especificamente - certamente o motivo primeiro deste protesto - o esquecimento e abandono da Polícia Federal e de seus Policias (agentes, escrivães e papiloscopistas). Por tudo isso ali estava a vergonha, o pesar. 

Em função desse ato, certamente responderão disciplinarmente, pois policiais mostrarem descontentamento no Brasil chega a ser considerado crime - como é o caso das polícias militares - mas tenho certeza que a dor de cabeça que terão não apagará a força da imagem, além de não ter o poder de aquebrantar a alma e a honra desses bravos guerreiros, policiais e professores. E muito menos diminuir a sensação de representatividade, pois tenho certeza que muitos gostariam de estar ali, fazendo exatamente o que fizeram

Não bastasse tudo por que passa a polícia no Brasil, para "comemorar" esse aniversário do DPF, mais um policial dá fim à própria vida, no interior de São Paulo. Um não, dois, pois um Policial Civil do Distrito Federal se jogou de sua janela na mesma data. Foi esse o presente sinistro recebido pelos Policiais Federais.

O vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=Gw0vouy_HBc&feature=youtube_gdata_player

segunda-feira, 24 de março de 2014

Força Nacional de Segurança Pública ou "cobre a cabeça e descobre o pé"


Pois bem. Antes era a Polícia Federal que vivia nos noticiários em horário nobre, mas esta foi substituída pela FNSP, muito provavelmente pelas brigas internas entre delegados, peritos e policiais e seu sucateamento, promovido pelo Governo Federal. Mas porque será que a Força Nacional está em tão alta conta, com equipamentos estalando de novos, enquanto a PRF e a PF ficam sem estrutura?

Bem, a resposta pode ser a pior possível: criação de uma guarda que não se submete à lei, mas à vontade do governante. E ainda se presta a ser uma ferramenta de intervenção branca nos Estados.
Enquanto as policias civis, militares, federais, rodoviários federais e guardas municipais tem previsão na nossa lei maior, a Constituição Federal, a Força Nacional teve sua origem em um decreto presidencial.  E tem um motivo.

A FN não é um órgão de segurança, ela deveria ser um convênio entre a União e os Estados para que, em momentos de crise, se pudesse retirar policiais, bombeiros, membros da Defesa Civil, e apoiar o Estado que precisa. Mas no caos que vivemos, qual  Estado NÃO precisa? E qual pode abrir mão de seus policiais para apoiar outro?

Além do mais, enquanto está em missão fora de seu Estado, o policial, além de receber seu salário normalmente, pago em sua sede, ainda recebe uma diária que, por mês, representa algo em torno de R$6.000. Líquidos, sem impostos. Ora, porque então não se aprovou a PEC 300, que previa custeio federal para bem remunerar as Polícias Estaduais?

A questão é essa: o Governo Federal  optou por criar uma guarda que pode controlar (pois quem vai abrir mão de 3x o salário por mês para reclamar de problemas estruturais?), sem previsão constitucional, e ainda retirando ao seu bel prazer policiais que deixam de fazer a segurança da população para atender interesses políticos, fortalecendo ações de governadores aliados e enfraquecendo ou submetendo os oposicionistas. E mais: em plena era de pedido por desmilitarização e ciclo completo, cria-se uma espécie de Polícia Militar Federal com policiais estaduais.

Sem dúvida a Segurança Pública está no fundo do poço em nosso pais. Órgãos permanentes sendo sucateados para que “mercenários” (não é criticando o policial que vai, que fique claro, é mera alusão à Idade Média) sejam usados para fazer as vontades políticas do líder maior.


Lamentável.

terça-feira, 11 de março de 2014

Precisamos entender: polícia é muito mais que tiro, porrada e bomba!

Nos países mais civilizados, as polícias, seja militar ou civil, são, em geral, preparadas para lidar com o caráter civil de sua atividade. Tanto é que boa parte delas é são justamente de tal regime , tendo os países anglo-saxões uma certa repulsa por policia de caráter militar, o que obriga os demais países que possuem tais organizações em seus sistemas a não tratarem de assuntos internacionais através dessa entidades. Em suma: Interpol não tem policia militar, mesmo que seja a com melhor qualidade de investigação. Ao menos na Europa.

Bem, mas nem quero falar do caráter militar, pois, a bem dizer, a policia no Brasil é bem violenta e inficiente de forma bem democrática, pouco importando o regime. Por isso precisamos de uma forte reforma, como a PEC 51. Porém uma reforma não apenas legislativa, mas de pensamento.

Sendo assim, hoje resolvi publicar um documentário, com apenas 16 minutos, que trata dos estragos causados nas incursões policiais em comunidade carentes, em geral dominadas pelo tráfico. Fica claro que tratamos de uma guerra civil, pois há uma parcela da sociedade que não pode contar com a policia: não porque seu serviço seja mal prestado, mas porque foi feita para mantê-los afastados de outros grupos sociais. Para elas polícia é o inimigo. E para a policia eles são o inimigo. No final morre policia, morre bandido, morre cidadão. E nada se resolve.

Nesse contexto que questiono nossas políticas: as policias da Europa Ocidental possuem vários programas de recrutamento em minorias, que significa admitir indivíduos pertencentes a grupos que historicamente sofrem abusos, preconceitos ou segregação. Muitas até reservam vagas para mulheres, pois sabemos que o ambiente sempre lhes foi hostil, mostrando a força descomunal das pertencentes aos quadros das forças de segurança pelo mundo. O Japão também adota essa política, visto ser uma sociedade fortemente machista.

A ideia por trás disso é tornar a polícia mais democrática, que atenda aos anseios da sociedade e de determinados grupos sociais, tentando conciliar a manutenção da ordem, os direitos fundamentais e a inclusão de determinados grupos. Mas parece que no Brasil se pensa justamente o contrário. Bem, nada surpreendente dado o sistema retrógrado de Segurança Pública que possuímos, claramente datado no tempo da chegada da Coroa no Brasil.

No mais, gosto sempre de frisar: faculdade de direito não prepara policial. Os atuais cursos de formação – talvez excluindo-se os de Formação de Oficiais – também não. Por isso os mesmos países citados acima consideram a sociologia matéria obrigatória na formação de tais profissionais, com o mesmo peso das leis, técnicas operacionais e de Administração, principalmente quando os profissionais se preparam para os cargos de gestão (em geral policiais da base possuem uma carreira, o conceito de carreira única)

Obs.: na operação de que trata o documentário, foram mortos 13 civis e um policial excepcionalmente treinado e equipado. Não deveria ser condição normal nem os 13 mortos e nem um policial deste naipe morrerem em tempos de paz. Mas no Brasil parece que é.


domingo, 9 de março de 2014

A lógica do “bandido bom é bandido morto” ou: estamos em guerra?

     Não, não é um texto “comunista” dizendo que temos que tratar bem quem nos mata. Nem um texto “reaça” que defende que se “passe fogo” em todo mundo mesmo não havendo pena de morte no Brasil. É apenas uma reflexão se estamos no caminho certo.

     A situação que vivemos hoje nos leva de volta no tempo, onde o senso de justiça é a vingança, única alternativa diante da impunidade. Então voltemos bastante, até a chamada “Lei de Talião”. Digamos, aí, aproximadamente 1730 ANTES DE CRISTO, na Babilônia. É, aliás, citada no Antigo Testamento.

     Bem, à época era comum a lei do mais forte, onde após uma ação que gerasse dano a uma parte, a outra poderia “se vingar”. Só que quem era mais forte fazia uma vingança maior, normalmente desproporcional ao dano. E quem era mais fraco simplesmente não se vingava.

     Eis que então surge a ideia de que ao sofrer um dano, a pena de quem o fez será IGUAL ao sofrido. Portanto, caso lhe arrancasse um olho, poderias arrancar 1 olho do outro. Ponto. Nem mais nem menos.

     No decorrer da História surge a figura do Estado. Não existe apenas para recolher impostos e acolher corruptos: dentre várias de suas funções, surge a da Justiça e da proteção de sua sociedade. Desta forma o particular não pode mais penalizar quem o ofendeu: tal função cabe agora ao Estado, que decide através do Juiz se a pessoa realmente é responsável pela agressão e qual deve ser a pena a se aplicar. E somente o Estado tem o poder “de vingança”, para assegurar que a pena não passará dos limites estabelecidos.

     Com a evolução da humanidade, cria-se leis mais abrangentes, tentando regular os direitos e deveres das pessoas, tenta-se destituir de vez a possibilidade de uma pessoa fazer justiça com as próprias mãos e cria-se um pequeno núcleo com poder de usar a força contra os cidadãos, mas somente o necessário para se aplicar a lei: a polícia.

     Sendo assim as funções da polícia são: evitar que o crime aconteça, após acontecido, investigar (mas, como já vimos, não é exclusividade dela) e quando o Juiz, em nome do Estado, decidir por aplicar a pena, cabe a ela providenciar que o condenado seja apresentado à Justiça. Fim;

     Pois bem. Em pleno século XXI, uns 3744 anos depois da Lei de Talião, o Brasil se vê obrigado a ressuscitá-la. E por que? Simplesmente porque a impunidade é certa. Enquanto governantes ficam mostrando números absolutos, a realidade é dura: 50.000 pessoas morrem assassinadas por ano e somente 2.500 o Estado consegue mostrar quem foi. Punir esses 2.500 é outra conversa. Se me falarem que 1.000 são condenados E cumprem suas penas, ficarei espantado. Em numeros relativos: 5% se descobre o autor e talvez 2% se consiga uma condenação. Se chegar a isso tudo. Relembro sempre que em muitos países 50% é considerado um sistema fracassado.

     E é nesse cenário que aparece a cobrança da sociedade em se fazer a justiça como era ANTES da Lei de Talião: furtou sua carteira? MORTE. E o pior: não é uma ideia absurda, É NATURAL. Sim, pois onde não se tem justiça se tem vingança.

     O cidadão pensar dessa forma é natural. Não há quem se imagine na condição de vitima ou familiar de vitima e não queira vingança. Mas por isso o Estado deve ser forte: conseguir punir o criminoso, de forma a dar um pequeno alento à vítima, e demovê-la de se vingar, dada a certeza da punição se o fizer. O que preocupa é quando a Polícia resolve encampar essa ideia. Não pode.

     Para o policial também é difícil não se envolver. Como tratar alguém como simples estatística? É como o médico que vê apenas “o paciente”, não vê a pessoa, sua historia, seus familiares, enquanto clinica. E um policial sem sentido de humanidade se torna um perigo absurdo para ele e toda coletividade.

     Agora vamos à lógica do problema: independente dos fatores que levam o sujeito a se tornar criminoso, quanto vale a vida dele para o cidadão de bem? Acredito que nada. Mas todo mundo, em condições normais, dá mais valor à sua vida que a dos outros. Então, para um bandido que a vida vale nada, quanto vale a de um cidadão de bem? Percebe a lógica? Chegamos em um simples resultado: a vida não vale nada. E se ele sabe que morrerá pois não dão valor a ele, não se preocupará em dar valor aos outros.

     Segurança pública é tema muito, mas muito mais amplo que polícia e cadeia: começa com educação formal e social, sentido de coletividade, de amparo aos que entram na chamada zona de risco (o ECA, em suas punições mais graves, tem esse objetivo, mas peca por não supor que menores podem cometer crimes tão ou mais bárbaros que maiores de idade e de forma reiterada), economia funcionando, equilíbrio de renda. Até se chegar na prevenção de crimes há muitas etapas para fracassarem e até a execução da pena temos muitas outras. No nosso caso, TODAS fracassam.

     Então o que fazer? Bem, não defendo que se passe mão na cabeça de bandido, mas tenho minhas dúvidas se matar todo mundo adianta algo. Não criaria uma divisão entre grupos que acabam se rivalizando? Não é isso que vem acontecendo? E pior: não estaria a policia, até mesmo sem perceber, atuando como grupo armado de um dos lados?

     Dos 50.000 homicídios neste pais, tenho certeza que boa parte vem da “limpeza do bem”. Contraditório, penso. Basta ver: vivemos uma grave crise de segurança, mata-se “bandidos” como nunca e mesmo assim a coisa só piora? E nosso vizinhos? E os EUA? E a Europa?

     Nenhum pais em tempos de paz tem tantas mortes como nós. Nenhum pais é tão ineficiente em todas as etapas da segurança pública como nós. E nenhum deles tem tanto “bandido morto” como nós. Estariam eles errados? Não devemos repensar tudo?

     Defendo que o cidadão tenha de forma mais tranquila a posse de uma arma. Creio sim que a legítima defesa está aí para ser usada, mas dentro dos ditames legais. Não nego que prisão perpétua, com colônias impondo trabalho seriam soluções interessantes. Também creio que em meio ao caos que vivemos a polícia tenha uma “pegada mais bélica” em determinadas situações e regiões. Mas não podemos achar que isso é corriqueiro ou que assim vai resolver algo. Só piora. E muito menos achar que a polícia tem como função matar bandido. Não é algo de oficio, é decorrência do trabalho. Pode parecer besteira, mas faz muita diferença. A morte deve ser a exceção e não regra. E tudo isso não passa de mero paliativo, uma tentativa de se sentir seguro pelo instituto da vingança. Engodo.

     O primeiro passo para a mudança seria estancar esse desarmamento covarde da sociedade que vem acontecendo. Acho sinceramente que cairiam os mortos com isso. Não falo de porte, que é o sujeito carregar a arma consigo, é tê-la em casa ou no trabalho. Obviamente as armas deveriam ter um registro como as pessoas, de forma que se possa identificar se ela for usada. A lei até determina isso, mas nunca foi aplicado.

     Depois a eficiência das polícias. Em 70 anos nossas polícias só aprenderam duas coisas: conseguir confissões e matar. Mais nada. São péssimas em investigar. E a estrutura atual, de duas meias policias, garante a ineficiência, que gera a impunidade, que gera o sentimento de vingança, que gera a pressão na policia por matar. Por isso a defesa fervorosa da PEC 51 e de mudanças no procedimento de investigação policial. Se outros países conseguem porque nós não?

     Em seguida a eficácia da pena, pois ao se ter a sensação que ao menos a maioria dos que cometem um delito são punidos, se tem a redução de incidência, pois ninguém quer ser preso (e nem adianta falar em auxilio prisão). Mas essa etapa, além de tudo, precisa da primeira, uma polícia eficiente.

     Por fim, de forma paralela a isso tudo, o suporte a crianças e jovens, de maneira a IMPEDIR que vejam no crime – principalmente os violentos – um futuro promissor, mesmo que curto. O crime nunca acabará, é inerente ao convívio em sociedade, mas temos como reduzi-lo. Essa é a luta.

     Se praticamente todas as religiões pregam que não se deve matar, que não se deve dar continuidade ao ódio, porque acabamos por não apenas aceitar essa realidade como a incentivamos? Não é nosso desejo viver em uma sociedade menos violenta? Como queremos tal resultado fomentando a violência?

     Lembrem-se “olho por olho dente por dente” foi uma evolução para restringir as penas, não a permissão para a vingança. E como dizia O Profeta Gentileza, figura lendária no Rio de Janeiro:

“Gentileza gera Gentileza Amorrr”.





sexta-feira, 7 de março de 2014

PEC 51, a pec da paz, pec 37 e 102, as pecs da impunidade. Maravilha. Mas... o que é PEC?

 Bem, desde meados de 2013 este espaço tenta colocar reflexões sobre a Segurança Pública, e acabou se vendo com a obrigação de discutir algumas PECs. Muito se falou nelas, mas todos sabem o que é.

 PEC é a abreviação de Projeto de Emenda Constitucional. Seu objetivo, como o nome diz, é emendar, ou alterar o texto, da nossa Constituição, nossa lei maior. Todas as demais leis se submentem ao que está escrito nela. É a lei mais difícil de ser alterada, e por isso é necessário apoio da sociedade para ver tais alterações prosperarem.

 E porque uma alteração dessas teria capacidade de me fazer sentir mais seguro?

 Bom, obviamente a troca de uma frase por outra não consegue. A questão é o poder que essa alteração pode ter. No caso de nosso tema, a alteração permitiria se ter uma polícia mais eficiente (o tal ciclo completo, impede o crime e investiga quando ele ocorre), com pessoal mais estimulado (pois passa a ter um conceito de carreira dentro da policia, não algo isolado), com mais uma forma de controle de suas atividades (a ouvidoria, além das já existentes corregedorias internas e o controle externo pelo Ministério Público). Na situação que nos encontramos, isso já faz uma grande diferença.

 Porém a alteração não pode parar aí, e nem podemos resumir segurança pública a um ou dois parágrafos de texto: temos que compreender como algo bem complexo, que passa pela educação, pelo suporte do Estado a certos setores, pelo cuidado e zelo com o patrimônio público, pela obediência a regras de segurança, leis de trânsito e tantas outras coisas. Mas nada disso tem chance sem polícias capazes de trabalhar, de produzir. Essa mudança é emergencial e altera o estado atual das coisas.

 Portanto a PEC 51 se traduz em uma mudança em nossa lei principal. Uma mudança que permitirá o modelo atual, engessado, ineficiente, onde todos os Estados são obrigados a seguir um modelo que não funciona para nenhum, ser alterado para outro, onde a população de cada Estado possa discutir, de acordo com suas necessidades, que tipo de policia precisa e quer. E permite também uam mudança de mentalidade, que não consta no texto a futura lei, mas será necessária por conta das alterações feitas. Um ganho indireto, porém valiosíssimo, já que é isso que nosso povo espera.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Estão ressuscitando a PEC 37?

Está circulando pelas redes sociais e imprensa um documento atribuído a uma associação de delegados defendendo prerrogativas de magistrados para tal cargo: "independência funcional" (entenda-se: fazer o que bem quiser) e não mais se submeter ao controle externo (olha o porque são contra a PEC 51, que defende uma Ouvidoria além do MP). Mas... para que?

Bom, sinceramente não vejo utilidade alguma. Aliás, vejo com séria preocupação: como uma função estatal pode ter o uso da força, a restrição de direitos e não ter controle nem punição? Ou um ou outro, pois tudo junto é poder demais.

Nas democracias consolidadas as polícias recebem severo controle: quem tem a força tem que ser monitorado. Tanto é assim que os modelos atuais de polícia sempre envolvem severa proximidade do MP, principalmente nas investigações. No mundo ocidental, nos países democráticos ao menos, NÃO HÁ uma policia repleta de poderes. Muitas, aliás, tem duplo controle do Executivo - sendo vinculadas aos nossos equivalentes Ministério da Justiça e Ministério da Defesa - e seus atos de restrição de direitos e de investigação submetidos ao MP e à Justiça. E mesmo assim não são poucos os desvios. Obvio que nem se comparam aos ocorridos no Brasil.

A polícia tem duas finalidades: GARANTIR os direitos individuais e coletivos, basicamente mantendo a ordem social e OBTER INFORMAÇÕES caso crimes tenham ocorrido. E essas informações serão utilizadas pelo Estado - normalmente através do Ministério Público - para que a Justiça decida se deve apenar alguém ou não, pois sua função é impedir a vingança.

Como membros de um poder, Juízes e Promotores sofrem pressões, e por isso é garantido a eles somente serem removidos se concordarem com isso. Novamente, esse é o padrão das justiças em outros países. A pressão é inimaginável, já que a decisão do juiz é quem de fato decidirá o futuro de um indivíduo ou grupo.

Já a policia, apesar de suas características diferenciadas, não sofre tamanha pressão POLÍTICA, salvo de forma interna: é a investigação que deve seguir uma linha porque o delegado quer, é o delegado que é pressionado pelo chefe de polícia (delegado) para fazer determinado relatório... pressões não tão diferentes das que sofrem um professor que adota certa linha de ensino.

Mas e as "remoções de geladeira"? Novamente, o caráter é meramente político e interno. Toda remoção deve ser justificada. Se o servidor não concorda, pode questionar administrativamente, e se recusado, judicialmente. Em suma: não é o Governador ou Presidente que remove o servidor, é o administrador - normalmente um delegado - quem determina.

Além do mais, o juiz de direito é o 3o escalão do Poder judiciário (Ministros dos tribunais, desembargadores, juízes), já os delegados são, no mínimo, 4o (Governador, Secretario, chefe de policia, delegado), tal qual os policiais ou qualquer servidor público. No contexto da Justiça, a polícia é mero acessório, tanto que não é o único órgão que investiga. Ele não representa um poder, ele é um servidor público do Executivo. O juiz também é servidor público, mas ele é a base do Poder Judiciário, seu motivo de ser. Não há similitude alguma. Em nada. E ainda é subordinado à Justiça quando esta precisa utilizar a força - sofrendo uma espécie de filtro do Executivo. Mas parece que alguns querem mais poder que a Justiça.

Portanto para que as mesmas prerrogativas? Para piorar o que já não funciona? Se são so delegados que ocupam funções comissionadas de administração e presidem o inquérito policial - o instrumento de formalização da investigação policial no Brasil - de quem é a culpa pels 95% de homicídios não elucidados, dos 97% de roubos sem solução, ou dos 92% de latrocínios de "autoria desconhecida"? E se com certo controle já está assim, imagine sem controle nenhum?

Ah, sim: esse era o teor da PEC 37.

sábado, 1 de março de 2014

Se aprovada a PEC 51 a policia não usará mais farda?

Uma das coisas que frequentemente ouço ou leio é a preocupação da atual PM virar "uma bagunça", sem um uniforme padrão e sem a tão propagada "hierarquia e disciplina".

Talvez tamanho equívoco se equipare apenas a achar que o conceito de ciclo completo de polícia - patrulhar e investigar na mesma instituição - signifique juntar as policiais civis e militares.

A PEC 51 conseguiu puxar o fio que mostra nosso pensamento sobre policias. E mostra o quão atrasado ele é, e a parte difícil da conscientização é quebrar o paradigma do atual modelo de duas policias, uma rígida e outra informal.

Uniforme não é exclusividade de instituições militares. Talvez a rígida exigência em relação a um visual padrão, sim. Hierarquia também não existe somente no meio militar. E disciplina é a capacidade de se manter uma cadeia de comando, não o poder de punição.
Tomemos de exemplo a atual PRF: cargo único, possui hierarquia, usa uniforme em todas as suas atividades, a disciplina é mantida basicamente pela Lei 8.112/90, a mesma do Serviço Publico Federal como um todo. Não tem nada de MILITAR, mas podemos dizer que vem se tornando MILITARIZADA. Afinal seus policiais são de natureza civil, respondem as mesmas leis que nós.

Então o que é desmilitarizar? Na verdade representa o fim do Regime Militar na corporação, que acarreta o seguinte:

1- os policias, quando fora de serviço, passam a ter o mesmo direito de qualquer cidadão (como falar mal do Governo ou do Chefe, por exemplo)

2- Passam a ter direito a associações representativas ou mesmo sindicatos. O direito à greve não tem ligação com ser militar, mas sim a proibição de se associarem para qualquer fim e o crime de "motim". Direito de Greve no Serviço Público é tema de debates no Congresso, e existe sempre a possibilidade de ser proibido que certas carreira façam, como policiais, mesmo civis.

3- Passam a responder por crimes previstos no código penal, tal qual qualquer pessoa. Hoje respondem pelo Código Penal Militar, que prevê crimes outros (na verdade, crimes de guerra), tem penas distintas dos mesmos previstos para o civil e ainda diferencia crimes cometidos por Oficiais e por Praças.

4- Deixa de ter ingerência direta das Forças Armadas, sem necessariamente deixar de ser visto como contingente auxiliar.

5- a Hierarquia cega e absoluta é substituída pela hierarquia funcional (somente seu chefe é seu chefe, e somente em função do trabalho) e legal (nada de ordens do tipo "eu quero").


Parece pouco, mas só de se conceder tais direitos aos policias já trará uma compreensão melhor de sua posição na sociedade. Sem a visão estrita que alguém tem que obedecer, o policial entenderá que o cidadão - no caso "o civil" - não é subordinado seu, não tem que obedecer cegamente por ser "ordem de uma autoridade". Ficará claro que deve prevalecer da função quando necessário para o cumprimento da lei e ordem social, e mesmo assim de forma crítica e sempre justificada. Nunca pela sua simples vontade.

O Brasil já teve uma polícia nesses moldes, a Guarda Civil de SP, extinta no Governo Militar. Era carreira única, fardada, hierarquizada e o principal: bem vista pela população.

Portanto, acabemos com o medo de desmilitarizar: os uniformes, patentes, medalhas, estrelas... tudo pode continuar como está. Deve-se trocar somente a lei que rege os servidores dessas polícias por uma que pode ser também bastante rígida, e trocar certos valores que não estão em consonância com a democracia, como a "visão do inimigo" e da obediência cega, por outros, mais democráticos, sem que se perca a noção de ordem e força normalmente associadas a tal regime.