Não, não é um texto
“comunista” dizendo que temos que tratar bem quem nos mata. Nem
um texto “reaça” que defende que se “passe fogo” em todo
mundo mesmo não havendo pena de morte no Brasil. É apenas uma
reflexão se estamos no caminho certo.
A situação que
vivemos hoje nos leva de volta no tempo, onde o senso de justiça
é a vingança, única alternativa diante da impunidade. Então
voltemos bastante, até a chamada “Lei de Talião”.
Digamos, aí, aproximadamente 1730 ANTES DE CRISTO, na Babilônia. É,
aliás, citada no Antigo Testamento.
Bem, à época era
comum a lei do mais forte, onde após uma ação que gerasse dano a
uma parte, a outra poderia “se vingar”. Só que quem era mais
forte fazia uma vingança maior, normalmente desproporcional ao dano.
E quem era mais fraco simplesmente não se vingava.
Eis que então surge a ideia de que ao sofrer um dano, a pena de quem o fez será IGUAL ao
sofrido. Portanto, caso lhe arrancasse um olho, poderias arrancar 1 olho
do outro. Ponto. Nem mais nem menos.
No decorrer da História surge a figura
do Estado. Não existe apenas para recolher impostos e acolher
corruptos: dentre várias de suas funções, surge a da Justiça e da
proteção de sua sociedade. Desta forma o particular não pode mais
penalizar quem o ofendeu: tal função cabe agora ao Estado, que
decide através do Juiz se a pessoa realmente é responsável pela
agressão e qual deve ser a pena a se aplicar. E somente o Estado tem
o poder “de vingança”, para assegurar que a pena não passará
dos limites estabelecidos.
Com a evolução da
humanidade, cria-se leis mais abrangentes, tentando regular os
direitos e deveres das pessoas, tenta-se destituir de vez a
possibilidade de uma pessoa fazer justiça com as próprias mãos e
cria-se um pequeno núcleo com poder de usar a força contra os
cidadãos, mas somente o necessário para se aplicar a lei: a
polícia.
Sendo assim as funções da polícia são: evitar que o crime aconteça, após acontecido, investigar (mas, como já vimos, não é exclusividade dela) e quando
o Juiz, em nome do Estado, decidir por aplicar a pena, cabe a ela
providenciar que o condenado seja apresentado à Justiça. Fim;
Pois bem. Em pleno
século XXI, uns 3744 anos depois da Lei de Talião, o Brasil se vê
obrigado a ressuscitá-la. E por que? Simplesmente porque a
impunidade é certa. Enquanto governantes ficam mostrando
números absolutos, a realidade é dura: 50.000 pessoas morrem
assassinadas por ano e somente 2.500 o Estado consegue mostrar quem
foi. Punir esses 2.500 é outra conversa. Se me falarem que 1.000 são
condenados E cumprem suas penas, ficarei espantado. Em numeros relativos: 5% se descobre o autor e talvez 2% se consiga uma condenação. Se chegar a isso tudo. Relembro sempre que em muitos países 50% é considerado um sistema fracassado.
E é nesse cenário
que aparece a cobrança da sociedade em se fazer a justiça como era
ANTES da Lei de Talião: furtou sua carteira? MORTE. E o pior: não é
uma ideia absurda, É NATURAL. Sim, pois onde não se tem justiça se
tem vingança.
O cidadão pensar
dessa forma é natural. Não há quem se imagine na condição de
vitima ou familiar de vitima e não queira vingança. Mas por isso o
Estado deve ser forte: conseguir punir o criminoso, de forma a dar um
pequeno alento à vítima, e demovê-la de se vingar, dada a certeza
da punição se o fizer. O que preocupa é quando a Polícia resolve
encampar essa ideia. Não pode.
Para o policial também
é difícil não se envolver. Como tratar alguém como simples
estatística? É como o médico que vê apenas “o paciente”, não
vê a pessoa, sua historia, seus familiares, enquanto clinica. E um
policial sem sentido de humanidade se torna um perigo absurdo para
ele e toda coletividade.
Agora vamos à lógica
do problema: independente dos fatores que levam o sujeito a se tornar
criminoso, quanto vale a vida dele para o cidadão de bem? Acredito
que nada. Mas todo mundo, em condições normais, dá mais valor à
sua vida que a dos outros. Então, para um bandido que a vida vale
nada, quanto vale a de um cidadão de bem? Percebe a lógica?
Chegamos em um simples resultado: a vida não vale nada. E se ele
sabe que morrerá pois não dão valor a ele, não se preocupará em
dar valor aos outros.
Segurança pública é
tema muito, mas muito mais amplo que polícia e cadeia: começa com
educação formal e social, sentido de coletividade, de amparo aos
que entram na chamada zona de risco (o ECA, em suas punições mais
graves, tem esse objetivo, mas peca por não supor que menores podem
cometer crimes tão ou mais bárbaros que maiores de idade e de forma reiterada), economia
funcionando, equilíbrio de renda. Até se chegar na prevenção de
crimes há muitas etapas para fracassarem e até a execução da pena
temos muitas outras. No nosso caso, TODAS fracassam.
Então o que fazer?
Bem, não defendo que se passe mão na cabeça de bandido, mas tenho
minhas dúvidas se matar todo mundo adianta algo. Não criaria uma divisão
entre grupos que acabam se rivalizando? Não é isso que vem
acontecendo? E pior: não estaria a policia, até mesmo sem perceber,
atuando como grupo armado de um dos lados?
Dos 50.000 homicídios
neste pais, tenho certeza que boa parte vem da “limpeza do bem”.
Contraditório, penso. Basta ver: vivemos uma grave crise de
segurança, mata-se “bandidos” como nunca e mesmo assim a coisa
só piora? E nosso vizinhos? E os EUA? E a Europa?
Nenhum pais em tempos
de paz tem tantas mortes como nós. Nenhum pais é tão ineficiente
em todas as etapas da segurança pública como nós. E nenhum deles
tem tanto “bandido morto” como nós. Estariam eles errados? Não
devemos repensar tudo?
Defendo que o cidadão
tenha de forma mais tranquila a posse de uma arma. Creio sim que a
legítima defesa está aí para ser usada, mas dentro dos ditames
legais. Não nego que prisão perpétua, com colônias impondo
trabalho seriam soluções interessantes. Também creio que em meio
ao caos que vivemos a polícia tenha uma “pegada mais bélica” em
determinadas situações e regiões. Mas não podemos achar que isso
é corriqueiro ou que assim vai resolver algo. Só piora. E muito
menos achar que a polícia tem como função matar bandido. Não é
algo de oficio, é decorrência do trabalho. Pode parecer besteira,
mas faz muita diferença. A morte deve ser a exceção e não regra.
E tudo isso não passa de mero paliativo, uma tentativa de se sentir
seguro pelo instituto da vingança. Engodo.
O primeiro passo para a mudança seria
estancar esse desarmamento covarde da sociedade que vem acontecendo.
Acho sinceramente que cairiam os mortos com isso. Não falo de porte,
que é o sujeito carregar a arma consigo, é tê-la em casa ou no
trabalho. Obviamente as armas deveriam ter um registro como as
pessoas, de forma que se possa identificar se ela for usada. A lei
até determina isso, mas nunca foi aplicado.
Depois a eficiência
das polícias. Em 70 anos nossas polícias só aprenderam duas
coisas: conseguir confissões e matar. Mais nada. São péssimas em
investigar. E a estrutura atual, de duas meias policias, garante a
ineficiência, que gera a impunidade, que gera o sentimento de
vingança, que gera a pressão na policia por matar. Por isso a
defesa fervorosa da PEC 51 e de mudanças no procedimento de
investigação policial. Se outros países conseguem porque nós não?
Em seguida a eficácia
da pena, pois ao se ter a sensação que ao menos a maioria dos que
cometem um delito são punidos, se tem a redução de incidência,
pois ninguém quer ser preso (e nem adianta falar em auxilio prisão).
Mas essa etapa, além de tudo, precisa da primeira, uma polícia
eficiente.
Por fim, de forma
paralela a isso tudo, o suporte a crianças e jovens, de maneira a
IMPEDIR que vejam no crime – principalmente os violentos – um
futuro promissor, mesmo que curto. O crime nunca acabará, é
inerente ao convívio em sociedade, mas temos como reduzi-lo. Essa é
a luta.
Se praticamente todas
as religiões pregam que não se deve matar, que não se deve dar
continuidade ao ódio, porque acabamos por não apenas aceitar essa
realidade como a incentivamos? Não é nosso desejo viver em uma
sociedade menos violenta? Como queremos tal resultado fomentando a
violência?
Lembrem-se “olho por
olho dente por dente” foi uma evolução para restringir as penas,
não a permissão para a vingança. E como dizia O Profeta Gentileza,
figura lendária no Rio de Janeiro:
“Gentileza gera Gentileza Amorrr”.