sábado, 19 de outubro de 2013

A educação formal no âmbito policial

      “Minha mãe mandou estudar. Como não ouvi, virei polícia”.

      Quem nunca ouviu isso? Acho difícil. E lendo alguns livros esses dias, descobri que não é só aqui no Brasil que se pensa assim, EUA e Europa também. A diferença? Se livraram dessa imagem há pelo menos 3 décadas!

      Nos EUA a ideia de se ter policiais recrutados dentre aqueles que terminaram a faculdade surge já em 1917, se enfraquece após o fim da Depressão, retoma suas forças no pós-guerra e se consolida na década de 1960. Na Europa ocidental década de 1970 marca essa mudança.

      A Alemanha, por exemplo, recruta seus novatos com o equivalente ao ensino médio. Mas durante a sua carreira vão fazendo novos cursos - técnico, bacharelado, mestrado e doutorado – que os permite comandar as instituições. Em um estudo sobre a escolaridade no continente, são comparados 17 países da Europa Ocidental e Oriental e todos formam policiais com nível superior. E nelas, quem chefia um dia esteve na base, comportando exceções com o chamado acesso lateral.

      E no Brasil? Acho que o melhor panorama das ideias da nossa sociedade está aqui:
"Outra questão é de insubordinação também, uma pessoa com curso superior muitas vezes não aceita cumprir ordens de um oficial ou um superior, uma patente maior". Beto Richa, Govenador do Estado do Paraná. Abril de 2012.

      Na reportagem que uso de referência, segue um comentário sensacional:
“Fidel 02/05/2012 | 11:37
Qualquer profissional de RH ou gerente de empresa sabe que a SOBREFORMAÇÃO do candidato a uma vaga de emprego é sim um problema, pois com o tempo haverá insatisfação com a função para a qual foi contratado (insubordinação é apenas uma forma). Por isso, não se deve exigir nível superior para ocupações de nível médio ou básico, como é o caso. O governador está certo, mas usou palavras infelizes.”

      Sinceramente, para mim é bem clara a mensagem: precisamos de Capitães-do-Mato, não de profissionais qualificados cuidando de nossa segurança. Porque? Seria mais fácil mandá-los fazer o que queremos, principalmente, deixar a “gentalha” no lugar dela e não mexer nos nossos interesses. Ah, claro: coagi-los com o “sabe com quem está falando” quando estivermos errados! Essa é nossa ideia de polícia.

      Flavio Tadeu Ege coloca em seu livro justamente essa visão, e ao nos contar como se formaram as forças policiais no Brasil, deixa claro que oficiais eram os estrangeiros imponentes, que lá estavam para doutrinar os negros livres e mestiços que eram quase recrutados à força, já que as “pessoas de bem” não queriam tal profissão. Era algo sem prestígio algum, como hoje. E tais oficiais não colocavam sequer os pés nas ruas para atuar junto com seus comandados. Enquanto isso na Alemanha os policiais são recrutados com o equivalente ao nosso nível médio (que fazem uma formação de especialização. Para progredir na carreira, além de resultados, devem fazer outro curso, algo equivalente ao nosso técnico. Mais dedicação, mais resultados, mais cursos para progressão: somente se tornando “bacharel em policia” pode agora o profissional evoluir na carreira, e cuidar de fatores mais amplos, como políticas de segurança, ainda em níveis mais baixos.

      Formada sua liderança e demonstrada a competência, lhe é oferecido o nível de mestrado, quando é considerado apto a chefiar a polícia de sua região. Também é oferecido doutorado, mas pelo visto é raríssimo os que se submetem a tal.Continuando nossa história, a primeira polícia a exigir nível superior foi a Polícia Federal, com alteração em 1997. Até então somente peritos e delegados tinham tal escolaridade.

      Mais de uma década depois algumas polícias começaram a exigir o mesmo, não sendo aplicada em todas. Somente em 2012 a Polícia Rodoviária Federal obteve tal condição. Polícia Militar? Leia de novo a declaração do Governador do Estado do Paraná e verás a resposta.

      E quais as vantagens de se ter tanta escolaridade para policiais, principalmente na atividade preventiva? Bem, a princípio somos tentados a pensar: “quem estuda mais tem mais educação”. Bem, depende. Se nos referimos ao trato social, não necessariamente. Podemos até criarmos monstros e termos pessoas arrogantes por terem estudado.

      Os defensores indicam que a experiência de estar num campus com pessoas de várias culturas, extratos sociais e etnias, amplia a mente do futuro policial, preparando-o melhor para lidar com situações sociais que pouco ou nada conhecem. Facilita também o aprendizado formal, fica mais fácil cobrar-lhes participação em cursos. Também amplia a criatividade, o que – sem gambiarras – é útil nessa profissão.

      Desvantagens? A mais clara: custo. Formar um profissional deste nível custa caro. Pagar por seus serviços qualificados também. Pode acabar gerando uma política de exclusão de minorias, por exigir anos de escola, impedindo quem teve restrito acesso a elas.

      Outra desvantagem? Segundo alguns, o que comentou o Governador. Nosso modelo de universidade, principalmente pública, é de questionar, tal qual o americano - segundo Herman Goldstein, professor de direito e pesquisador nesta área, que uso como base para este texto – e isso incomoda deveras as chefias e comandos. Como ousam questionar o que fazemos, devem pensar. Me deixou mais calmo descobrir que nos EUA também fazem isso...

      Em um mundo onde grandes profissionais são recrutados pelo crime organizado para realizar tarefas que multipliquem seus rendimentos sem deixar rastros, é querer o impossível pagar pouco por policial sem formação. Mas é o que vivemos pedindo: policiais que custem barato, sejam corruptos quando me interessar mas sejam honestos com os outros para aplicar-lhes a lei, educados comigo e truculento com os outros, podendo até matar para que não me incomode. Como fazer isso? Convença que polícia eficiente é aparecendo na rua, batendo nos pobres, matando bandido e o principal: não seja apenas com baixo estudo, mas sim ignorante de tudo. Esse é o modelo que temos e que defendemos.


Referências:
Ege, Flávio Tadeu: Uma breve história da polícia no Brasil. São Paulo: Clube de Autores. 2013.

Goldstein, Herman: Policiando uma sociedade Livre. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo. 2003.

Ege, Flávio Tadeu: Uma breve história da polícia no Brasil. 
http://umabrevehistoriadapolicia.blogspot.com.br/ . Acessado em 03/06/2013

Pagon, Milan e outros: European Systems of Police Education and Training. 
https://www.ncjrs.gov/policing/eur551.htm . Acessado em 03/06/2013

Galdino, Rogério Waldrigues Galindo. Richa Não Quer PM´s com estudo porque eles “se insubordinariam”. http://www.gazetadopovo.com.br/blog/caixazero/?id=1248505. Acessado em 
03/06/2013