Um
questionamento comum é o seguinte: mas se virar carreira única os policiais
virarão delegados sem concurso?
Parece
um problemão, certo? A Constituição proíbe o “trem da alegria”, então seria
impensável algo assim. Mas aí que a ficha cai: mas quem trabalha na polícia: O
POLICIAL. O mundo todo sabe disso.
Então
a carreira única está praticamente pronta em todas as polícia civis e federal,
pois inspetores, comissários, agentes, escrivães, oficiais de cartório, são
funções que já se misturam, que a todo tempo fazem a “tarefa do outro” e no
geral possuem os mesmos critérios de aprovação no concurso público. Portanto a chamada
unificação das carreiras (não das polícias, que não é objeto desta PEC) é mera
formalização do que já existe, e cumpre as exigências legais: rendimentos
IDÊNTICOS e atribuições similares.M as as polícias hoje possuem 2 funções que
não se encaixam neste perfil: as de perícia e a dos delegados. Então, como
integrá-las à carreira policial?
Não
pode. Nem deve. Quem assiste CSI sabe que os peritos não são policiais, que os
promotores não são policiais, que
somente os policiais são policiais. Se os países europeus exportassem séries
policiais, descobriríamos que lá não é diferente.
As
carreiras POLICIAIS, que tratam de INVESTIGAÇÃO, são únicas, ou seja: o
policial que CHEFIA a polícia é o que um dia foi novato. O que é responsável
pela investigação realizada pela EQUIPE é um policial que também um dia foi
novato. E não necessariamente é formado em ciências jurídicas. Em alguns países
um percentual deve ser respeitado (Portugal exige que 35%, no mínimo, dos
novatos sejam formados em Licenciatura em Direito), em outros a formação se dá
dentro da própria policia (BKA, a polícia federal alemã, a MET inglesa,
conhecida como Scotland Yard) ou já recebe com nível superior variados, sendo
quesito a participação em cursos específicos e desempenho para promoção (FBI americano).
As
funções administrativas tanto aqui
quanto nos países com policias de origem civil, são apartadas das funções
policiais. Fazem parte da polícia – e são imprescindíveis a ela - mas não da
carreira policial.
Já
as perícias nem sempre fazem parte do corpo policial, sendo tidas como
complementares ou auxiliares – termo injusto, dada a importância da perícia na
investigação policial - visto que não é uma carreira policial mas sim civil. O
conhecimento altamente específico do perito em sua área tem um motivo de ser e não
é para investigar criminalmente, mas sim cientificamente. Cabe ao juiz decidir
o que fazer com os dados científicos levantados e processados pelo perito
quando confrontados com o relatório de investigação e os depoimentos em juízo.
E
o delegado? Bom, aí começa o problema, que é mais cultural do que legal ou
funcional.
O
delegado, por questões culturais, é tido como o “chefe” geral das polícias. A visão que se tem é de que ele estaria pra os policias como os oficiais estão para
os praças no Exército ou na PM. Não é verdade.
Esta
função tem por objetivo conduzir a investigação e fazer SUCINTO RELATÓRIO ao final da mesma. É como
um resumo do procedimento, que hoje se chama inquérito policial. Mas o que
acontece na realidade é que foi se criando uma cultura de burocracia na
investigação, que não ajuda o inocente e contribui para a impunidade, visto que
o primeiro responderá pelo que não fez e o culpado não responderá pelo que fez.
É uma papelada que vai e volta e não se chega a conclusão nenhuma de nada.
Então começou a ser importante haver o delegado para embolar o novelo e depois
desembolar. Mas para que embolar?
Antigamente
a polícia era chefiada por um juiz ou um bacharel em direito. Antigamente
falamos ai... uns 1836! Império ainda! Então o Imperador decretou que juízes não poderiam cuidar da
investigação e julgar. O responsável pela polícia (o sujeito delegado pelo
chefe de polícia a cuidar das investigações, por isso tal nome) não precisava
mais ser bacharel em direito. Mas continuou com muitos poderes – como determinar
entrada em casa alheia para busca e apreensão – que foi muito útil ao Regime
Militar e acabou com a redemocratização quando da promulgação da nossa
Constituição em 1988.
O
código de processo penal explica bem explicadinho o que deve fazer para se
emitir o tal relatório do inquérito. Não é nada complexo. Não se necessita de 5
anos de faculdade para tal, e prova disso é que os cursos de Bacharelado em
Direito não possuem cadeiras que tratem de condução de inquéritos ou mesmo de
investigações, mas sim de processo penal e crimes com suas jurisprudências – decisões
judiciais que só podem ser aplicadas pela polícia quando há uma ordem superior
uniformizando procedimentos.
Por
isso para ser delegado precisa-se do curso de Direito: porque em 1836 o cargo
era ocupado por magistrados nomeados para tal pelo Chefe de Polícia, não porque
“é necessário para as garantias do investigado”. Disso cuidam o Ministério
Publico e, principalmente, o juiz. Não é função da polícia isso.
O procedimento Inquérito Polícia é instrumento ineficiente. Nenhuma reforma será plena se não se fizer alterações neste sentido. Até mesmo se levarmos em conta o que diz o Código de Processo Penal, que não exige papeladas e malabarismos da polícia na investigação, á ajudará muito.
O procedimento Inquérito Polícia é instrumento ineficiente. Nenhuma reforma será plena se não se fizer alterações neste sentido. Até mesmo se levarmos em conta o que diz o Código de Processo Penal, que não exige papeladas e malabarismos da polícia na investigação, á ajudará muito.
Portanto,
a unificação de carreiras é dar a Cesar o que é de Cesar: policia investiga e
faz um relatório, que vai para as mãos do MP.
Um policial, em tese mais antigo, experiente e com perfil, assume a
chefia de determinado grupo para coordenar atividades (e não ser dono da
investigação). Estas são as funções de um policial.
Já
os peritos ficam em separado da carreira policial, pois tem atividade própria:
a de perícia. Esta não se confunde com função policial. Se ficam dentro da
polícia ou fora e mera questão política.
E os
delegados? Bem, como vimos, estes não são “o topo da carreira policial”, pois sua função é mera parte da atividade, o sistema adotado por
todo o mundo. Hoje representam o status, não a atividade investigativa de fato.
São o topo em termos salariais e por ocuparem cargos de confiança nos governos,
o que naturalmente os encaminha para as chefias. Há questões culturais também,
pois por anos foi exigido nível superior para ingresso enquanto os policiais
não havia isso. Desta forma, naturalmente eram os chefes por terem maior nível
de formação, não por serem bacharéis em Direito.
Sendo assim
não precisam fazer parte da carreira policial. Podem até mesmo pleitear
carreira jurídica em outras instituições ou mesmo na própria polícia, como
consultores jurídicos e atividades correlatas, mas não por investigação, não
sendo necessária sua participação na atividade policial, seja investigativa ou
de patrulhamento.